- A jornalista ficou em evidência ao defender ação de justiceiros no Rio; parlamentares protocolaram representação contra ela
SÃO PAULO - “Aos defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do
marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao
Brasil, adote um bandido”. Foi assim que Rachel Sheherazade encerrou, no
dia 4, mais um dos inflamados discursos que se tornaram a sua marca na
bancada do “SBT Brasil”. Mas a repercussão da opinião da âncora sobre o
caso do adolescente — suspeito de roubos no Flamengo — espancado e preso
nu pelo pescoço a um poste com uma trava de bicicleta foi muito além do
que quaisquer outras polêmicas em que ela havia se envolvido
anteriormente. Nas redes sociais, o vídeo foi compartilhado
ad nauseam,
choveram críticas de incitação à violência e desrespeito aos direitos
humanos — e algumas demonstrações de apoio. Na terça-feira,
parlamentares protocolaram, na Procuradoria Geral da República, uma
representação contra a jornalista e o SBT por apologia ao crime. O
Ministério Público vai investigar.
Para o sociólogo e professor de
Jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da USP Laurindo Lalo Leal
Filho, duas questões precisam ser avaliadas na declaração de Rachel:
—
Ela incita a população a resolver com as próprias mãos problemas que
cabem ao Estado solucionar. Dizer isso numa emissora de TV, que é uma
concessão pública, agrava ainda mais a situação. Ela até pode ter essa
visão como cidadã, mas ao declará-la numa TV, cuja função prevista pela
Constituição é entreter, educar e informar, ela comete um delito grave.
Fere também o Estatuto da Criança e do Adolescente porque se trata de um
menor de idade. São delitos que devem ser averiguados pelo Ministério
Público — avalia o acadêmico.
A jornalista, uma paraibana de 40 anos, pareceu não se abalar com a possibilidade de ser investigada e processada:
—
Esse burburinho não passa de jogo político. Qualquer um pode te acusar
de qualquer coisa. Quero ver provar — afirmou Rachel, que preferiu dar
entrevista à Revista da TV por e-mail: — Terei sempre o apoio da empresa
onde trabalho, pois sou parte dela, represento o jornalismo do SBT. Ah,
e não temo ser processada. Trabalhei durante 17 anos no Poder
Judiciário, conheço bem a Justiça, e é claro que terei meu direito ao
contraditório. Quem age corretamente não teme os rigores da lei. Esse é o
meu caso. As ameaças de processo não passam de tentativa de intimidação
ao meu trabalho, à minha liberdade de expressão, garantia, aliás,
expressa na Constituição Federal.
Foi na época em que se dividia
entre os empregos de escrivã e jornalista da TV Tambaú (afiliada do
SBT), de João Pessoa, que Rachel chamou a atenção de Silvio Santos, num
vídeo afirmando que o carnaval drenava recursos públicos e impedia o
direito básico de ir e vir.
O convite do dono do SBT a trouxe para
São Paulo, junto com marido e dois filhos. Especula-se que a jornalista
teria trocado a dupla jornada na Paraíba por um salário de R$ 150 mil:
—
Sou uma profissional que preza pela ética e sou consciente do meu papel
social. Por me posicionar diante dos fatos, acabo passando a imagem de
uma pessoa transparente, confiável. Meu público me conhece. Não sou uma
“maria-vai-com-as-outras” — defende-se.
Diante da polêmica, o SBT
alegou, em nota, que o editorial foi de total responsabilidade da
jornalista, e não refletia a opinião da emissora.
— É a mais pura
verdade. Quando fui contratada para emitir a minha opinião, ficamos
acertados que eu teria liberdade editorial para falar sobre o que
quisesse, desde que me responsabilizasse por meus posicionamentos. Para
mim, não há nenhuma novidade nisso — afirma a apresentadora.
Nos
bastidores, a reação à tal declaração também foi forte. Sem revelarem
seus nomes, jornalistas da casa contaram que a equipe ficou chocada com a
enorme repercussão das declarações da apresentadora. Quando o
telejornal colocou no ar uma nota de esclarecimento, os funcionários
pararam diante dos televisores para ver. Entre os repórteres e
produtores do telejornal, pouco ou quase nada se comenta a respeito.
—
Temos pouco contato com a apresentadora no cotidiano. Ela chega, vai se
arrumar, vai para o estúdio, apresenta o jornal e vai embora. Quando
muito, cumprimenta as pessoas no corredor — disse uma das jornalistas do
programa, que preferiu não se identificar, completando: — Ela sempre
teve essas opiniões. É por isso que foi contratada e está nessa função.
Mas dessa vez acho que exagerou.
Das reuniões de pauta do
telejornal, Rachel conta não participar, pois acontecem por volta das
11h30, horário no qual ela leva os dois filhos à escola.
— Não
delego essa missão a ninguém e faço questão de dar toda a assistência
que posso às minhas crianças, pois não poderei dar atenção a elas
durante o resto do dia e da noite.
A âncora conta que costuma se
reunir com o editor do programa, André Basbaum, e com o diretor de
jornalismo do SBT, Marcelo Parada:
— Ao fim de cada edição, temos
uma reunião de avaliação com toda a equipe — diz a jornalista, que
escreve sozinha os editoriais que grava pouco antes do telejornal ir ao
ar: — Não saberia defender como meus argumentos e pensamentos de um
editor ou produtor.
Na juventude, ela diz ter defendido com “todo o fervor” a esquerda. Agora conta se identificar com bandeiras conservadoras:
—
Sou contra o aborto e a liberação do uso de drogas. Ainda não conheço
um partido organizado e declaradamente de direita para reunir políticos
que façam um real contraponto à hegemonia das esquerdas. Na minha
juventude, votava no PT, acreditava nas boas intenções do partido, em
sua ética e moralidade. Quando chegou ao poder, vi que era igual aos
outros. Então, desisti de votar em partidos. Hoje voto em pessoas,
independentemente de legendas. Pessoas cuja principal bandeira seja a
ética — diz ela, que é evangélica: — Confio nos planos de Deus