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Analisando historicamente o desenvolvimento das sociedades concomitantemente com a evolução do Direito, tem-se que a família representou e ainda representa nos dias de hoje, elemento estruturador da vida social, de forma que sempre recebeu atenção especial do legislador nas diversas legislações, a exemplo do artigo 226 da consagrada Constituição Federal de 1988.
É nesse sentido que foi regulado pelo Código Civil e pela Lei Ordinária nº 8.009/90 o instituto do bem de família, que visa resguardar o imóvel residencial da família de execução por dívidas. Entretanto, há que se observar que o advento da lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato) trouxe uma forma de exceção do instituto mencionado ao alterar o artigo 3º da Lei 8.009/90, incluindo o inciso VII:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:(...)VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.Sylvio Capanema de Souza comenta o dispositivo acima exposto (A lei do inquilinato comentada. 5ª edição. Rio de Janeiro: GZ, 2009, p. 390):
A nova exceção, acrescida ao artigo 3º da Lei nº 8.009, se impunha, no interesse do mercado, pois estava se tornando quase impossível o oferecimento da garantia da fiança, já que raramente o candidato à locação conseguia um fiador que tivesse, em seu patrimônio, mais de um imóvel residencial.Por óbvio, que tal alteração inchou o Poder Judiciário de ações que visavam a derrubada desse dispositivo legal, alegando que ele ofendia o direito a moradia previsto no artigo 6º da CF/88. Nesse período, viveu-se uma época de insegurança jurídica, devido às intensas divergências de posicionamentos nos tribunais do país, até que a jurisprudência consolidou entendimento de que é sim possível a penhora do imóvel único do fiador nos contratos de locação.
A jurisprudência majoritária entende que não há afronta ao direito de moradia previsto no Art. 6º da CF 88, pois, ao prever essa exceção a lei garantiu um direito de ordem pública, que é a segurança jurídica dos locadores.
Há quem diga que a previsão legal se faz inconstitucional por violar a isonomia e a dignidade humana, contudo, cremos que tal visão é extremamente limitada, pois, leva-se em consideração apenas a situação do devedor em relação ao fiador, e se deixa de lado o direito do credor.
É necessário deixar claro que o devedor e o fiador se encontram em posições diferentes no negócio jurídico, tendo em vista que o fiador escolheu garantir aquela prestação, não podendo, portanto ser comparado ao devedor originário. Sendo assim não há o que se falar em ofensa ao principio constitucional da isonomia, porque o fiador não se encontra em tal posição de maneira arbitrária.
Acreditamos também que não há o que ser discutido no que diz respeito à ofensa a dignidade da pessoa humana, pois, há quem se garante esse direito? Ao fiador que tem direito a sua casa? Ou ao credor que tem direito a receber sua prestação? Para responder a esse antagonismo, devemos analisar as consequências sociais de cada resposta.
Primeiramente, leva-se em conta a finalidade da lei, que no caso em questão é a de educar. Falamos em educação, pois infelizmente esta impregnada em nossa cultura o costume do “calote”, no qual o cidadão contrai uma dívida na certeza de que caso não a pague, não haverá consequências.
O novel instituto jurídico surgiu com o intuito de quebrar esse costume, levando o fiador a arcar com o ônus que assumiu, fazendo assim, que a sociedade enxergue que a impunidade não reina mais sobre nosso sistema jurídico, sendo certo que, ao assumir uma dívida, o cidadão ciente das consequências, pagará o que deve.
Em segundo plano devemos analisar a questão da segurança nos negócios jurídicos, a qual se deve um olhar especial, pois, não se pode conciliar uma economia sólida e consistente com um sistema jurídico que não dá suporte algum aos credores.
E por último, mas não menos importante, devemos olhar os erros do passado e ver que a história quase sempre nos dá o caminho certo para traçar um futuro melhor.
Antes do advento da Lei nº 8.245/91 os contratos de locação eram efetuados apenas para aqueles que pudessem fornecer um fiador com mais de dois imóveis devidamente registrados em seu nome, pois assim o credor tinha uma garantia maior de conseguir receber o que lhe era devido, contudo, vendo o fato por ângulo pratico, era praticamente impossível para o credor encontrar alguém com essas características, pois, a média da população nacional não possuía sequer um imóvel próprio, quem dirá dois.
Portanto, no que tange a dignidade da pessoa humana, podemos concluir que não há o que ser discutido, pois conforme demonstrado, não penhorar o imóvel único do fiador acarreta problemas para toda a sociedade, e nesse sentido, deverá prevalecer o benefício à ordem pública.
É de suma relevância para a explanação do tema trazer a tona que os contratos de locações fazem parte do direito privado, o que via de regra implica em relações entre particulares, portanto, cabe salientar que quando o indivíduo é parte de um negócio jurídico, o faz de livre e espontânea vontade, sendo assim, pactua para os direitos e obrigações que irá contrair.
O instituto da fiança surgiu com o escopo de garantir maior segurança nessas relações entre terceiros, aplicando extensivamente ao fiador o ônus da obrigação no caso de inadimplência do devedor originário.
Assim como as demais partes de uma relação jurídica, o fiador concorda com os termos e condições daquele pacto, não sendo certo, portanto que este se livre de obrigação por ele já contraída de forma que não a satisfaça, porque, ao ficar inadimplente, o fiador fere um dos mais importantes princípios do direito civil, que é o princípio que diz que os pactos devem ser respeitados. (Pacta sunt servanda).
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