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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

É tradição na Marinha: se a onça pegar, alguém safa...


Fonte: Porto Gente
Andréa Margon
reportagem
Gírias, sinos e apitos. Estes são alguns dos detalhes que compõem os costumes da Marinha do Brasil. Em entrevista exclusiva ao PortoGente, o Capitão dos Portos do Espírito Santo, capitão-de-mar-e-Guerra, Walter Inglez, fala sobre o assunto que considera muito interessante.
“A beleza consiste nos pontos comuns entre as marinhas de diversos países”. Segundo o comandante Inglez, as diferenças são raras o que torna o convívio no mar mais seguro e solidário. Como exemplo, ele citou os pescadores brasileiros que, embora haja diferenças nas diversas regiões, as ações são muito comuns. “Não só na Marinha de guerra, mas também, na Mercante. Um exemplo é a forma de se vestir, geralmente iguais nos uniformes. Isso são usos e costumes”.
Um dado muito interessante neste contexto é que na Marinha não existem cordas. É costume chamar de cabo. “Corda, somente, de relógio ou do sino”.
Os cerimoniais da Marinha contam com diversos detalhes. Todos levando em consideração quem está participando. O cerimonial da Bandeira Nacional, por exemplo, quando há o hasteamento ou arreamento, o serviço de comanda dá o “vivas”, que consiste na seqüência de sete apitos trinados.
Os apitos, fundamentais na Marinha, servem para indicar o início ou término das refeições, a chegada ou saída de autoridade, entre outros atos. É uma tradição peculiar da Marinha já que o Exército e a Aeronáutica utilizam a corneta – a Marinha também usa corneta, mas o apito é mais freqüente.
Como em diversos segmentos, a Marinha utiliza gírias em sua linguagem cotidiana. Muitas delas, absorvidas pelos trabalhadores portuários e, até, pelo cidadão que não tem convívio diário com as coisas do mar. Confira algumas delas:
Safo – Uma das mais usuais da Marinha, é utilizada para tudo que está ocorrendo de forma satisfatória.
Onça – Também muito usada, significa dificuldade.
Safa onça – É a combinação das expressões anteriores. É tudo que soluciona uma emergência.
Pegar – É o contrário de safo. Estar pegando significa que não está dando certo.
Rosca fina (ou voga picada) – Denomina o superior – antônimo é voga larga. A origem do primeiro está no “aperto”, na “pressão” impressa pelo chefe, comparada pelo marinheiro à do parafuso com rosca fina – que aperta mais.
Voga larga – Vem de “voga” que é a velocidade da remada ditada pelo patrão aos remadores, em uma embarcação a remos. Pode ser uma “voga picada” (maior velocidade) ou “voga larga” (velocidade amena, mais calma).
Embarcar/estar a bordo – Pode ser em navio ou em qualquer organização (edificações) da Marinha.
Hierarquia
A hierarquia na Marinha também é um ponto de destaque. Diferente das outras armas, só conta com três postos para oficiais – tenente, comandante e almirante. E isso é comum em todas as Marinhas. Segundo o comandante Inglez, embora existam patentes dentro de cada patente oficial, apenas uma é utilizada. No caso de Tenente – existem o 2º tenente, o 1º tenente e o capitão-tenente. Mas, o costume determina chamar a pessoa, apenas, por Tenente. O mesmo acontece com os demais.
A solidão do comando é algo interessante nos costumes da Marinha. Embora na embarcação seja o comandante e a tripulação o comandante tem uma posição diferente - é ele que comanda e a tripulação auxilia. Quando chega o momento para decidir sobre um tipo de manobra tem o apoio da tripulação, mas detém a decisão final. O comandante passa a maior parte do tempo em sua câmara (gabinete) onde fica sozinho e desfruta de visibilidades diferenciada e imparcial da tripulação. “Não caracteriza afastamento”.
A avaliação do pessoal também faz parte da solidão do comando. Os oficiais fazem suas avaliações que passam por departamentos e o comandante faz a avaliação final, buscando a justiça para o bem comum. Uma outra tradição na Marinha é a cadeira do comandante – ninguém senta.
Tradições
Flâmula de Comando – fica no topo do mastro dos navios da Marinha do Brasil. Ela conta com 21 estrelas e indica que o navio é comandado por um oficial. Se houver no navio alguma outra autoridade superior a do comandante, a flâmula é arriada e substituída pela de mais alta patente. Ela é trocada nas passagens de comando e nunca é arriada. Ao final do comando do navio, o oficial guarda a flâmula sem lavar.
Câmara – compartimento que aloja o comandante do navio ou autoridade ilustre.
Camarotes e afins – aloja oficiais.
Camarins – uso operacional ou administrativo.
Praças e cobertas – compartimentos – Ex. praças de máquinas, d’armas etc.
Praça D’armas – compartimento de estar dos oficiais a bordo onde, também, realizam as refeições – nos navios antigos as armas portáteis eram guardadas nesse local privativo dos oficiais.
Corda e cabo – na Marinha não há corda – tudo é cabo. Cabos grossos ou finos, cabos fixos ou de laborar. Existem duas exceções: a corda do sino e dos relógios.
O sino de bordo – no período compreendido entre os toques de alvorada e de silêncio, os intervalos dos quartos são marcados por batidas do sino de bordo, feitas ao fim de cada meia hora.
1ª meia hora do quarto -  Uma batida singela

2ª meia hora do quarto -  Uma batida dupla

3ª meia hora do quarto -  Uma batida dupla e uma singela

4ª meia hora do quarto -  Duas batidas duplas

5ª meia hora do quarto -  Duas batidas duplas e uma singela

6ª meia hora do quarto -  Três batidas duplas

7ª meia hora do quarto -  Três batidas duplas e uma singela

8ª meia hora do quarto -  Quatro batidas duplas

Fainas – trabalhos executados.
Cerimonial da bandeira – quando em contato com terra (atracados, fundeados ou amarrados) a bandeira é colocada no pau da bandeira, na popa. Quando o navio sai de terra e volta ao mar, a bandeira retorna ao mastro de combate.
Saudar um navio de guerra ao largo – quando um navio de guerra passa a menos de 200 jardas de outro, é feita saudação. Os navios mercantes ao passarem por um navio de guerra fazem o cumprimento arriando sua bandeira nacional e o de guerra o mesmo, como resposta. O mercante só içará novamente a bandeira depois que o navio de guerra o fizer.
Vivas – ainda presente na Marinha brasileira. É a repetição da antiga forma de continência e saudação à autoridade que passar perto do navio, sempre que o fato for antecipado e devidamente anunciado – a guarnição, quando em postos de continência (a um sinal) leva o boné ao peito do lado esquerdo, com a mão direita e, ao sinal de salvas do apito sete vezes, estende a mão com o boné para o alto, à direita e dá “vivas” correspondentes.
Vivas do apito – usado durante o içamento ou o arriar da bandeira seguindo o comando do apito – são sete vivas, lembrança dos antigos sete tiros das fragatas e navios menores.
Cerimonial de recepção e despedida – varia conforme a patente do oficial. Constam toques de apito e continência de quem recebe. Existem marinheiros em formatura em número correspondente a cada cerimonial. São chamados de “boys”. Estes cerimoniais são herança da Marinha de Vela. Costumava-se nas reuniões de comandantes de navios de uma força Naval, quando o mar não estava muito bom, içar o visitante por uma guindola (pequena tábua suspensa pelas extremidades). A manobra era comandada pelo Mestre, ao som de apito e, para realizá-la, vários marinheiros iam para o local de embarque. Hoje a cortesia naval ocorre com marinheiros ao portaló (local de embarque/desembarque de bordo) que sauda com toque de apito, a autoridade que chegar ou sair.
Gorro de fita - os fuzileiros navais trazem essa tradição em seus uniformes. De origem escocesa, é uma das tradições incorporada, que permanecem e ganham legitimidade. Data de 1890 e é idéia de um comandante do Batalhão britânico.
Apito do marinheiro - os principais eventos de bordo são ordenados por toques de apito (espécie apito do marinheiro). Serve, também, para chamada. Ao longo dos anos tem sido uma das principais peças do equipamento de uso pessoal de gente de bordo; gregos e romanos já usavam o apito para fazer a marcação do ritmo dos movimentos de remos nas galés.
O comandante Inglez fala que muitos dos que foram para a reserva sentem falta desses costumes. Ele lembra que no final do ano passado foi realizada uma cerimônia para pessoal de reserva onde houve um desfile naval. “Vimos a emoção dos companheiros quando as embarcações passaram, pela tradição relembrada. Esta é uma cultura que não se perde”

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