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CONSULTA
Um praça com estabilidade da Marinha de Guerra possuía registro de arma
na corporação. Com o advento da Lei n° 10.826 de 22 de dezembro de 2003
(vulgarmente conhecido como Estatuto do Desarmamento), a Administração
Naval ordenou a todos os seus militares subordinados efetuarem novo
recadastramento seguindo os requisitos da Portaria n° 4/2005 da
Diretoria Geral do Material da Marinha.
No regulamento supra não estabelece critérios para os praças da Marinha
requisitarem o Porte de Arma de Fogo Particular, ao contrário dos
oficiais ativos e inativos. Na existência desta lacuna regimental, os
casos concretos seriam solucionados pela autoridade do Diretor Geral do
Material da Marinha.
Este praça enviou um requerimento a autoridade competente solicitando o
Porte de Arma de Fogo e esta o negou tendo em vista a não existência de
norma interna que regule o assunto (vide documento em anexo).
Analogamente, o Exército Brasileiro não alterou a Portaria n° 003/1999
do Departamento do Material Bélico que rege especificamente sobre a
concessão de porte de armas a praças do Comando do Exército. Analisando o
seu conteúdo, é concedido o porte de arma de fogo a pedido quando o
militar for aprovado em teste de aptidão de tiro, possuir comportamento
compatível na vida civil e militar e apto para o serviço ativo. O
Comandante da Aeronáutica promulgou a Portaria nº 686/GC3, de 22 de
Junho de 2005 que aprova as normas que regulam o registro, o cadastro, o
porte de arma de fogo e a utilização de armas de uso particular, no
âmbito do Comando da Aeronáutica e dá outras providências. Seu conteúdo é
similar com a do Exército, e estabelece como requisitos: estabilidade,
comportamento, capacidade técnica de uso, avaliação psicológica e
necessidade para portar arma de fogo (art. 27)
Portanto, o questionamento a ser analisado é se um praça da Marinha de
Guerra pode ter Porte de Arma de Fogo Particular segundo o ordenamento
jurídico brasileiro.
Apresentada a questão, passo a manifestar:
PARECER
O Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80) dispõe os direitos, deveres e
prerrogativas dos membros da Forças Armadas (Exército, Marinha e
Aeronáutica).
No artigo 50 deste Diploma Legal estabelece como direito:
"Art. 50. São direitos dos militares:
(...)
q) o porte de arma quando oficial em serviço ativo ou em inatividade,
salvo caso de inatividade por alienação mental ou condenação por crimes
contra a segurança do Estado ou por atividades que desaconselhem aquele
porte;
r) o porte de arma, pelas praças, com as restrições impostas pela respectiva Força Armada;"
O Estatuto do "Desarmamento", por sua vez, em seu art. 6°, delega a matéria para o Decreto n° 5.123/2004:
"Art. 6°. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território
nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
São direitos dos militares:
I – os integrantes das Forças Armadas;
(...)
§1°. As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI deste artigo
terão direito a portar arma de fogo fornecida pela respectiva corporação
ou instituição, mesmo fora de serviço, na forma do regulamento,
aplicando-se nos casos de armas de fogo de propriedade particular os
dispositivos do regulamento desta Lei.".
E o Decreto n° 5.123/2004 remete a regulação da matéria para norma específica proveniente do Comandante das Forças Singulares.
"Art. 33. O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças
Armada, aos policiais federais e estaduais e do Distrito federal, civis e
militares, aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal em razão de suas funções
institucionais.
§1°. O Porte de Arma de Fogo das praças das Forças Armadas e dos
Policiais e Corpos de Bombeiros Militares é regulada em norma
específica, por atos dos Comandantes das Forças Singulares e dos
Comandantes-Gerais das Corporações.".
Portando estes dois dispositivos legais supra mencionados não alterou o
status quo ante porque as limitações para concessão do Porte de Arma
para as praças continuam sob a competência dos Comandantes de Forças
Singulares, conforme disposto no Estatuto dos Militares.
Analisando a hermenêutica do art. 50 do Estatuto dos Militares com a
Portaria da Marinha, verifica-se duas interpretações possíveis segundo a
lógica jurídica.
A classificação da norma inserida no art. 50, r da Lei 6.880/80 é de
eficácia contida, pois enquanto não estiver definida a restrição em
Regulamento, o Direito ao Porte é pleno. A Portaria em questão foi
omissa.
Utilizando o recurso da analogia para integração desta lacuna legal,
poderia considerar para o porte dos praças os requisitos estabelecidos
para o oficial descritos no art. 50, p da Lei 6.880/80 e do item 9 da
Portaria da Marinha.
Segundo o princípio da razoabilidade, é mais adequado a utilização da interpretação do item b, supra.
Porém no caso concreto, está claro uma violação notória do princípio
fundamental da Legalidade. A partir do momento que a Administração Naval
é omissa na regulação do porte de armas para os seus praças, está
frontalmente suprimindo um Direito estabelecido por uma Lei (art. 50 do
Estatuto dos Militares). Sendo, portanto, cabível os remédios
constitucionais do Mandado de Segurança (art. 5°, LXIX, CRFB). e de
Injunção (art. 5°, LXXI, CRFB).
Vale ressaltar que a decisão negativa do requerimento do militar
contrariou a Teoria dos Atos Administrativos, tendo em vista a não
fundamentação dos motivos que determinaram a decisão.
Entrando no mérito da Lei, as restrições impostas aos praças deveriam
ser do âmbito do Ministério da Defesa. O Estatuto dos Militares foi
elaborado na época da existência dos Ministérios Militares onde não
havia um órgão superior comum para promulgar regulamentos que abrangesse
os militares das Forças Armadas, porém o Decreto que regulamenta o
"Estatuto do Desarmamento" deveria remeter à Portaria do Ministério da
Defesa.
Não é razoável que existam requisitos diferenciados para o Porte de
Armas dos praças das Forças Armadas, teria sentido se a atividade
tivesse alguma relação com a especialidade da atuação de cada Força,
porém não é o caso desta matéria.
A existência de condições diversas entre o Exército, Marinha e
Aeronáutica viola seu principal fundamento: a hierarquia (art. 2°, Lei
6.880/80). Contraria a prerrogativa entre os círculos hierárquicos caso
um subalterno de outra Força possuir o Porte de arma particular e um
praça superior hierárquico da Marinha ser negado o Direito.
Ressalta-se que existe a hierarquia entre membros inter-Forças, cujos
critérios são estabelecidos pelo art. 15 e seguintes do Estatuto dos
Militares.
Art . 16. Os círculos hierárquicos e a escala hierárquica nas Forças
Armadas, bem como a correspondência entre os postos e as graduações da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica, são fixados nos parágrafos
seguintes e no Quadro em anexo.
Analisando a questão no âmbito da responsabilidade civil, a concessão do
porte de armas Institucional é mais danoso para as Forças Armadas ao
Porte de armas particular, tendo em vista que ocorrendo um acidente, no
primeiro caso a União tem responsabilidade objetiva (independente de
culpa do agente) enquanto que o Porte particular, apenas o autor
responde civilmente (a não ser se houve vício no ato administrativo da
concessão). A prática mostra que as Forças Armadas normalmente afasta
militares de serviço armado quando estes estão respondendo IPM
(Inquérito Policial Militar) ou crime militar. Portanto, uma pessoa que
está acostumada ao serviço armado (Porte Institucional) não deveria ter
seu Direito negado pela Administração Militar pelos motivos apresentados
acima.
Analisando a questão socio-econômica, normalmente os praças moram em
áreas de risco e desta forma princípio fundamental da autotutela deveria
ser preservado pela Instituição militar, visto que os membros das
Forças Armadas não os mais visados pelo "Poder Paralelo". A Lei n°
10.826/2003 consciente deste problema, estabelece uma exceção a regra
para o cidadão não militar no seu artigo 10.
Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em
todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e
somente será concedida após autorização do Sinarm.
§ 1o A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com
eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos
regulamentares, e dependerá de o requerente:
I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física;
Existe em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n°
5.852/2005 de autoria do Dep. Federal Bolsonaro que procura corrigir o
problema de uniformização, alterando a redação do art. 6°, inciso I da
Lei n° 10.826/2003. Porém aborda o problema de forma superficial pois
concede o porte de arma a todos os oficiais e praças com estabilidade,
independente de seu estado psicológico. Além do mais, tal atitude não
está condizente com a prática Legislativa e do ordenamento jurídico.
Existem recursos como o requerimento ao Ministério da Defesa (RIC) ou
até mesmo o Mandado de Injunção para corrigir a omissão do Executivo, ao
invés de "engessar" este Poder na regulação e "engarrafar" o
procedimento da Casa Legislativa com Projetos que poderiam ser
resolvidos de forma mais simples.
CONCLUSÃO
Portanto, considerando a existência de lacuna da regulamentação da
Marinha com relação ao Direito ao Porte de Armas Particular para praças
que resulta na supressão de um Direito estabelecido em Lei e
considerando que deveria uma regulamentação comum no âmbito das Forças
Armadas de forma a não quebrar a hierarquia entre os membros das Forças
Armadas, conclui-se que os praças das Forças Armadas têm o Direito ao
Porte de Armas de Fogo Particular e deveria existir requisitos comuns
entre as Forças Armadas, de competência do Ministério da Defesa (órgão
superior às Forças Armadas). Sendo que a forma mais adequada para acerto
desta condição seria na área administrativa por meio de um RIC.
É o parecer que submeto à elevada apreciação superior.
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Armando Gonçalves Madeira Junior
Capitão-de-Corveta
Graduando em Direito UFF
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